sábado, 2 de maio de 2015

Não há supercivilização alienígena nas 100 mil galáxias próximas

http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/nao_ha_supercivilizacao_alienigena_nas_100_mil_galaxias_proximas.html

Não há supercivilização alienígena nas 100 mil galáxias próximas

A mais profunda busca por artefatos de “astroengenharia” volta vazia


Lee Billings


                                                                                     NASA/JPL-Caltech/WISE Team
Espirais alaranjadas de poeira aquecida por estrelas preenchem os braços da galáxia de 
Andrômeda nessa imagem em falsa cor de infravermelho médio obtida com o telescópio
espacial WISE, da Nasa. Essas imagens também poderiam revelar o calor residual de
civilizações galácticas avançadas. 



A astrobiologia – o estudo da vida extraterrestre – já fez grandes avanços desde sua origem nos anos 1960, quando o biólogo evolutivo George Gaylord Simpson a ridicularizou como “uma ciência sem objeto de estudo”. Atualmente, essa ciência está crescendo como nunca, conduzida pelo alto e constante interesse público e uma respeitabilidade científica que aumenta constantemente.

Em uma conferência de imprensa na semana passada, dois oficiais da Nasa – Ellen Stofan, cientista-chefe da agência, e John Grunsfeld, ex-astronauta que é administrador associado dos programas científicos da Nasa – previram que astrobiólogos finalmente encontrariam seus elusivos objetos de estudo alienígena dentro de uma ou duas décadas. Há pouco tempo essa previsão teria sido ousada, mas agora ela parece quase trivial enquanto cada vez mais evidências se acumulam mostrando que as condições quentes e úmidas necessárias para a vida como a conhecemos dominam o Cosmo. Certamente a vida simples, unicelular, deve ser comum lá fora, esperando para ser encontrada por uma sonda em lagos subterrâneos de Marte ou por uma missão enviada para analisar os oceanos da gélida lua Europa, ou até por meio de telescópios que observam planetas semelhantes à Terra orbitando estrelas distantes. A Nasa financia generosamente todos esses trabalhos.

A possível existência de alienígenas e civilizações extraterrestres, por outro lado, permanece muito mais controversa e quase não recebe financiamento. Mesmo assim, durante mais de meio século, um pequeno e disperso contingente de astrônomos foi contra a maré, engajando-se na busca por inteligência extraterrestre (projeto conhecido como SETI). O SETI procura principalmente culturas cósmicas tagarelas que podem estar enviando mensagens ao redor de nossa região da galáxia usando ondas de rádio ou pulsos laser. Mas essa escuta interestelar ainda não detectou nenhum sinal que resistisse a uma análise mais detalhada. Mesmo se estiver transbordando com vida, para nós a galáxia parece ser um lugar silencioso e bastante solitário.

Agora, novos resultados sugerem que essa solidão pode se estender ao universo muito além de nossa galáxia ou, em vez disso, que algumas de nossas preconcepções sobre o comportamento de civilizações alienígenas sejam profundamente falhas. Após examinar cerca de 100 mil galáxias próximas, uma equipe de pesquisadores conduzida pelo astrônomo Jason Wright, da Pennsylvania State University, concluiu que nenhuma delas contém qualquer sinal óbvios de civilizações altamente avançadas tecnologicamente. Publicada no The Astrophysical Journal Supplement Series, esse é de longe o maior estudo desse tipo até o momento – pesquisas anteriores só investigaram cerca de cem galáxias, por curiosidade.

Mais calor que luz

Ao contrário de pesquisas tradicionais do SETI, Wright e sua equipe não procuraram mensagens vindas das estrelas. Em vez disso, eles procuraram consequências termodinâmicas de colonização em escala galáctica, com base em uma ideia levantada em 1960 pelo físico Freeman Dyson. Dyson postulou que uma cultura tecnológica em crescimento acabaria ficando limitada pelo acesso à energia e que civilizações avançadas, com necessidade de energia, seriam levadas a coletar toda a luz disponível de suas estrelas. Para fazer isso, eles poderiam desmantelar um planeta ou dois para usar na construção de coletores solares que envolvessem a estrela inteira. A luz de uma estrela desapareceria quando ela fosse encapsulada por essa “esfera de Dyson”, mas o físico apontou que essas construções poderiam ser detectadas pelo brilho infravermelho médio de seu calor residual – essencialmente o mesmo fenômeno que faz seu computador esquentar quando ligado. Em 1963, o astrônomo russo Nikolai Kardashev estendeu essas ideias ao desenvolver um sistema de classificação tripartite para o uso energético de uma civilização. Uma civilização do “tipo 1” utilizaria toda a energia de seu planeta natal, enquanto uma civilização do tipo 2 usaria toda a energia de sua estrela, talvez ao construir uma esfera de Dyson ao seu redor. Uma civilização do tipo 3 seria capaz de usar toda a energia de sua galáxia, talvez ao abrigar todas as suas estrelas em esferas de Dyson.

Incapaz de conseguir financiamento de fontes como a Nasa ou a Fundação Nacional de Ciências, a equipe de Wright decidiu pedir auxílio à Fundação Templeton, uma organização particular com um histórico de apoiar pesquisas controversas e especulativas. Com esse financiamento, a equipe procurou civilizações do tipo 3 em um catálogo de todo o céu produzido pelo Explorador de Pesquisa Infravermelha em Campo Vasto (WISE, em inglês). Eles procuraram objetos que fossem oticamente tênues, mas brilhantes na faixa de infravermelho médio – a assinatura esperada de uma galáxia cheia de esferas de Dyson que absorvessem luz estelar e emitissem calor. Após usar softwares para filtrar automaticamente cerca de 100 milhões de objetos no catálogo do WISE, o aluno de Wright, Roger Griffith, examinou os candidatos restantes manualmente, eliminado os que não fossem galáxias ou que fossem artefatos instrumentais óbvios.

O resultado final trazia aproximadamente 100 mil galáxias, e cerca de 50 delas emitiam muito mais calor que luz. Jessica Maldonado, aluna da California State Polytechnic University, em Pomona, varreu a literatura astronômica para determinar o que já era conhecido sobre esses principais candidatos. A maior parte desses objetos já havia sido bem estudada, e podia ser explicada como pares de galáxias em processo de fusão ou como galáxias isoladas do tipo “starburst” [basicamente uma galáxia em fase de produção estelar intensa] – dois processos que podem aquecer quantidades galácticas de poeira bloqueadora de luz para gerar poderosos brilhos infravermelhos. De acordo com os pesquisadores, 90 galáxias adicionais com proporções menores de calor-para-luz pedem mais estudos mas, de modo geral, os resultados são nulos. “Na escala de Kardashev, uma civilização do tipo 3 usa energia igual a toda a luz estelar produzida por uma galáxia”, explica Wright. Isso seria equivalente a uma galáxia que brilhasse em infravermelho mas fosse quase destituída de estrelas. “Nós observamos as mais de 100 mil galáxias mais próximas que conseguimos encontrar no catálogo do WISE e nunca vimos nada. Cem mil galáxias e nenhuma delas tinha essa assinatura. Não encontramos nenhum tipo 3 em nossa amostra porque não havia nenhum”.  

Mesmo se civilizações avançadas não construírem esferas de Dyson, o resultado nulo de Wright também se aplica a quaisquer outros tipos de “astroengenharia” de energia intensa ocorrendo em escalas galácticas. “Procurar por calor residual e ausência de luz como fizeram Wright e seus colegas, é muito interessante”, avalia James Annis, astrofísico do Laboratório Nacional do Acelerador Fermi (FermiLab) que, no final dos anos 1990, usou métodos diferentes para analisar mais de cem galáxias próximas em busca de tipos 3. “De certa forma, não importa como uma civilização galáctica obtém ou usa sua energia porque a segunda lei da termodinâmica torna esse uso difícil de esconder. Eles poderiam construir esferas de Dyson, obter energia a partir de buracos negros em rotação, construir redes gigantes de computadores nos limites gelados de galáxias, e tudo isso produziria calor residual. A equipe de Wright foi direto ao pico da curva onde esperaríamos encontrar qualquer tipo de calor residual, e simplesmente não encontraram nada óbvio”.  

Contra o império

A simples ideia de que podem haver impérios galácticos lá fora vem de extrapolações razoáveis de nossa própria situação aqui na Terra.

Nós sabemos que em pelo menos um planeta a vida microscópica emergiu, e que a vida escalou a escada evolutiva para constituir corpos grandes, cérebros, sociedades e até tecnologias que poderiam levá-la a outros planetas – talvez até a outras estrelas. Se isso aconteceu aqui, por que não poderia acontecer em algum dos outros bilhões de planetas habitáveis que atualmente se estima preencherem cada galáxia? “A vida, uma vez que começa a viajar pelo espaço, parece poder ser capaz de cruzar a galáxia em apenas 50 milhões de anos”, observa Annis. “E 50 milhões de anos é um tempo muito curto se comparado às escalas temporais de bilhões de anos de planetas e galáxias. Era de se esperar que a vida atravessasse a galáxia muitas vezes nos quase 14 bilhões de anos de vida do Universo. Talvez civilizações espaciais sejam raras e isoladas, mas basta que uma delas queira modificar sua galáxia para que possamos ver o que está acontecendo. Se observarmos galáxias o bastante, deveríamos acabar vendo algo obviamente artificial. Então isso é muito desconfortável: quanto mais olhamos, mais natural tudo parece ser”.

Com o passar dos anos, pesquisadores criaram uma vasta coleção de possíveis explicações para o fracasso do SETI em encontrar alienígenas. Talvez estejamos sozinhos ou alguma restrição imposta pela astrofísica e biologia torne a vida inteligente extremamente rara, ou talvez civilizações tecnológicas sempre se autodestruam, ou quem sabe a viagem interestelar simplesmente seja difícil demais, lenta demais ou chata demais. Annis suspeita que explosões astrofísicas capazes de esterilizar galáxias inteiras, chamadas de erupções de raios gama, que eram muito frequentes no passado cósmico, até recentemente suprimiam a ascensão de civilizações avançadas e que nós habitamos “o início da história”.

Mas por mais que a literatura científica seja rica em ideias, algumas das mais fascinantes vêm da ficção científica. Em 2011, com base na famosa observação de Arthur C. Clarke de que “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia”, o autor de ficção científica Karl Schroeder cunhou uma razão bastante plausível para a aparente ausência de alienígenas: “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da natureza”. Nessa visão, o futuro da tecnologia não consistiria de civilizações estelares se espalhando como fogo por galáxias, desintegrando planetas e sufocando sóis, mas de culturas de crescimento lento se tornando cada vez mais integradas a seus ambientes naturais, buscando eficiências cada vez maiores e chegando cada vez mais perto do equilíbrio termodinâmico. De maneira simples, impérios galácticos extravagantes são insustentáveis e por isso não os vemos. “O SETI é basicamente uma busca por resíduos tecnológicos”, escreve Schroeder. “Calor residual, luz residual, sinais eletromagnéticos residuais – nós só precisamos postular que civilizações bem sucedidas não produzem esse tipo de resíduos, e o fracasso do SETI está explicado”.  

De acordo com David Brin, astrosífico que também escreve best-sellers de ficção científica contemplando o “Grande Silêncio” do Universo, o expansivo estudo de Wright deixa aberta a possibilidade das esferas de Dyson, mas pode ser o último prego no caixão de noções antiquadas sobre impérios gigantescos que usam galáxias inteiras em busca de energia. “Por que seres avançados precisariam ou desejariam isso?” pergunta Brin. “Apenas um projeto incrivelmente vasto justificaria esse tipo de ganância... Não haveria mais sistemas gentis e agradáveis como o nosso; tudo seria convertido para o uso industrial. Esse é o traço de usuários vorazes que ou tem um grande motivo, ou uma grande insaciabilidade”.

O que há por vir

Em 1973, Carl Sagan divisou uma fórmula mais empírica para a escala de Kardashev que permitia gradações mais finas. De acordo com seus cálculos, nossa atual civilização planetária era do tipo 0,7 e chegaria ao tipo 1 dentro de mais alguns séculos de crescimento sustentado e uso de energia, que nos últimos séculos cresceu cerca de 3% ao ano. Para sustentar essa tendência, a humanidade precisaria construir uma esfera de Dyson dentro de aproximadamente um milênio, tornando-se do tipo 2, e precisaria cobrir a maior parte das estrelas da Via Láctea em esferas de Dyson um milênio mais tarde, tornando-se tipo 3.  

As implicações são claras: dentro de um número relativamente baixo de gerações – um breve momento se comparado a toda a história humana – ou precisaríamos remodelar o sistema solar e depois uma grande parte da própria galáxia, ou nossa civilização precisaria mudar para uma tendência de crescimento radicalmente diferente, menos intensa energeticamente. Na década de 1960, durante os incríveis anos iniciais da era espacial, era mais fácil acreditar que a primeira hipótese era mais provável; atualmente, calamidades ecológicas e econômicas fazem a segunda parecer mais certa. Essa profecia numérica de crescimento mais silencioso e lento, até mesmo estase, é consistente com os resultados nulos de buscas tradicionais do SETI assim como as raras e heterodoxas buscas dysonianas de Wright, Annis e alguns outros.

Supondo que consiga mais financiamento, Wright pretende conduzir trabalhos para investigar algumas das galáxias mais estranhas de sua pesquisa, procurando civilizações mais baixas na escala de Kardashev. Ele também espera examinar um curioso aglomerado de fontes pontuais oticamente escuras logo fora do plano galáctico da Via Láctea, que sua equipe descobriu com base em seus brilhos infravermelhos nos dados do WISE. O aglomerado provavelmente é uma nuvem molecular gigante que ainda não conhecíamos, um berçário estelar ainda não mapeado cheio de protoestrelas, comenta Wright. Mas “é quase exatamente o que você esperaria ver em um aglomerado de esferas de Dyson”. Parece que o sonho de Dyson ainda vive.

Dyson, atualmente com 91 anos de idade mas sempre pronto para falar sobre o SETI em seu escritório no Instituto de Estudos Avançados em Princeton, Nova Jersey, declara que os resultados nulos não são surpreendentes mas que não deveriam ser desanimadores. “O que imaginamos sobre como alienígenas podem se tornar detectáveis sempre é como a história de um gato negro em uma sala escura”, observa Dyson. “Se existem alienígenas de verdade, é provável que eles se comportem de maneiras que nunca imaginamos. O resultado do WISE mostra que alienígenas não seguiram um caminho específico. É bom saber disso. Mas ainda temos uma imensa variedade de caminhos abertos. O fracasso de uma ideia não significa que deveríamos parar de procurar alienígenas”.



Publicado por Scientific American em 17 de abril de 2015.

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