terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Para físicos, Hawking tem agido mais como um astro pop do que como cientista

Para físicos, Hawking tem agido mais como um astro pop do que como cientista


Para o físico Peter Higgs o "status de celebridade [de Stephen Hawking] lhe dá uma credibilidade instantânea que os outros [físicos] não têm".
Stephen Hawking acaba de entrar para mais uma lista seleta de cientistas -aqueles cujas vidas são transformadas em filme. "A Teoria de Tudo", indicado ao Oscar, conta sua história. Mas, convenhamos, não foi sua produção científica que o elevou a essa posição.

A imagem do "gênio preso à cadeira de rodas" começou a ser cultivada quando Hawking publicou seu primeiro livro de divulgação científica, "Uma Breve História do Tempo", em 1988.

A fama acabou levando o cientista, que luta contra a esclerose lateral amiotrófica, a violar um dos mais básicos princípios do comportamento acadêmico: não se deve fazer afirmações extraordinárias sem evidências igualmente extraordinárias.

PALAVRA DE HAWKING
Os exemplos são vários. Já em 2004, o pop-star britânico anunciou ter solucionado um dos mais intrigantes problemas ligados à física de buracos negros, o chamado "paradoxo da informação".

É basicamente a ideia de que a informação no interior das partículas que caem num buraco negro é destruída e desaparece do Universo para sempre. Os físicos consideram isso paradoxal porque seria um obstáculo à própria aplicação da ciência. Se você parte de um estado "desinformado", não há como aplicar as teorias sobre ele para saber o que acontece depois ou determinar o que ocorreu antes.

Ao dizer que teria resolvido o dilema, Hawking chamou a atenção dos físicos do mundo inteiro. Mas ele nunca apresentou cálculos que demonstrassem isso.

Dez anos depois, repetiu a dose, dizendo ter concluído que buracos negros podem nem existir. Mais uma vez um choque: a imensa maioria dos cientistas já estava convencida de que esses fenômenos são reais. Mas Hawking, de novo, não apresentou o devido embasamento matemático para demonstrar sua conclusão bombástica.

Para Mario Novello, cosmólogo do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), é um sinal dos tempos. "No século 20, um cientista pesava suas afirmações não comprovadas e não as deixava sair para o grande público", diz. "Hoje, a ciência se tornou midiática. E Hawking atua como uma celebridade, não mais como um físico."

Também em 2014, Hawking lançou um alerta à humanidade ao escrever que a manipulação do bóson de Higgs -partícula descoberta em 2012 no maior acelerador de partículas do mundo- poderia levar à destruição do próprio Universo, algo que não conta com o respaldo da comunidade científica.

Antes, o pesquisador já tinha insistido que o bóson de Higgs jamais seria encontrado -ele inclusive perdeu US$ 100 que tinha apostado com um físico da Universidade do Michigan sobre isso.
Em um embate em 2002, o físico Peter Higgs, que tinha previso matematicamente a partícula que leva o seu nome, chegou a reclamar que era difícil discutir com Hawking porque "seu status de celebridade lhe dá uma credibilidade instantânea que os outros [físicos] não têm".


Não se questiona, claro, que Hawking contribuiu muito para a ciência em suas áreas de atuação. Suas principais contribuições, porém, ocorreram durante as décadas de 60 e 70. Na época, Hawking fez a descoberta mais fantástica de sua carreira, ao constatar que buracos negros não são completamente negros -eles emitem uma suave torrente de partículas, hoje justamente conhecida como radiação Hawking.

Embora o fenômeno jamais tenha sido observado (não é fácil estudar buracos negros por telescópio, e mais difícil ainda detectar a sutil radiação Hawking), os físicos têm alta confiança nessas conclusões do cientista britânico.

"Tem vários resultados em física que portam o nome dele", destaca o físico relativista italiano Riccardo Sturani, do Instituto de Física Teórica da Unesp. "Com certeza a física hoje seria diferente sem os resultados que ele alcançou."

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