sábado, 3 de maio de 2014

Estudo de crânios serviu como base à falha ciência do racismo

03/05/14 06:00 

Estudo de crânios serviu como base à falha ciência do racismo

O historiador James Poskett, da Universidade de Cambridge, analisa os desenhos de “Crania americana”, livro de Samuel George Norton
O historiador James Poskett, da Universidade de Cambridge, analisa os desenhos de “Crania americana”, livro de Samuel George Norton Foto: Divulgação

Renato Grandelle - O Globo
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RIO - A banana atirada no jogador Daniel Alves durante um jogo do Barcelona e as declarações racistas do dirigente de um clube de basquete americano provocaram repúdio mundial esta semana, mas as manifestações preconceituosas seriam vistas com naturalidade pelo médico americano Samuel George Morton. Ele angariou fama em seu país e na Europa no século XIX disseminando a teoria de que a superioridade racial é corroborada pelo estudo dos crânios. Aqueles de estrutura mais complexa e avançada, um sinal inegável de inteligência e maior capacidade de raciocínio, seriam os de caucasianos. Seu argumento resistiu por 150 anos. Foi analisado por figuras como Charles Darwin, convenceu abolicionistas e só foi definitivamente desmantelado na década de 1980, embora as manifestações racistas persistam.
Na hierarquia proposta por Morton, a estrutura do crânio caucasiano seria mais avançada do que, respectivamente, as das (como ele as classificava) raças mongol, malaia, americana - em que estão agrupadas as populações nativas do continente - e etíope - que abrange as pessoas de origem africana.
Morton expôs sua classificação no livro “Crania americana”, lançado em 1839 e que recentemente mereceu uma exposição e uma nova pesquisa do Departamento de História e Filosofia da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. O grupo de trabalho britânico procura entender como uma obra cara - sua impressão custou cerca de R$ 20 milhões, em valores atualizados - de um cientista desconhecido na Europa conquistou tantos devotos.
- Ele fez amizades com as pessoas certas, aquelas que realmente importavam - conta o historiador James Poskett, que lidera as pesquisas de Cambridge. - Morton produziu apenas 500 cópias de “Crania americana” e distribuiu para pessoas influentes como antropólogos famosos na Inglaterra e editores de revistas científicas americanas. Mesmo com a pequena tiragem, seu trabalho foi lido em países como França, Alemanha, Rússia e Índia.
Os acadêmicos mais influentes da época ficaram impressionados com as gravuras de “Crania americana”. Contratado por Morton, o artista John Collins usou uma nova técnica, a litografia, para conceber imagens sobre uma pedra calcária, criando texturas refinadas e reproduzindo os contornos sutis de cada crânio. Desta forma, seria possível conferir como a anatomia caucasiana era avançada em relação às demais raças.
- Os naturalistas convenceram-se de que aqueles desenhos eram tão verdadeiros que Morton estava certo - destaca Poskett. - O livro de Morton foi o primeiro exemplo da litografia científica americana a ganhar muitos elogios na Europa.
Darwin: Morton é ‘autoridade’
Morton, então, ganhou as graças da elite intelectual do Velho Mundo. Sua obra foi assumidamente uma inspiração para autores de livros como “Crania Britannica” e “Crania Germanica” e ainda para os trabalhos do italiano Cesare Lombroso, de 1876, que partia de características físicas do crânio para determinar criminosos. Até o evolucionista (e abolicionista) Charles Darwin, que leu o texto de Morton, considerou-o uma “autoridade” na discussão racial, embora não tenha usado nada dos seus estudos nos trabalhos que fez. Muito pelo contrário.
- Darwin não concordava com a escravidão, e, no momento em que escrevia “A origem das espécies”, em 1850, as teorias de Morton eram usadas para justificar a exploração de outras raças - lembra Poskett.
De fato, as análises cranianas de Morton serviram como uma explicação científica para a remoção de índios nos EUA, assim como a escravidão em outras partes das Américas. Afinal, seria uma comprovação de que os africanos formariam uma raça naturalmente submissa.
A pesquisa de Morton também foi, curiosamente, adotada por abolicionistas. Para eles, como os africanos eram inferiores, os brancos deveriam protegê-los. A adesão a este pensamento permitiu a sobrevivência do racismo científico mesmo depois da abolição da escravatura em diversos países.
Submissão popularizada
Cópias mal feitas das ilustrações de “Crania americana” foram reproduzidas em jornais populares durante décadas. Na década de 1960, um encontro da Sociedade Britânica de Frenologia - uma teoria, hoje já desacreditada, que estuda o caráter e a personalidade - apoiava a tese de que os africanos têm crânios menos desenvolvidos.
Poskett lembra que, no filme “Django livre”, de Quentin Tarantino, o proprietário de escravos Calvin Candie, interpretado por Leonardo diCaprio, analisa o crânio de um negro e extrai um pequeno pedaço, que, segundo ele, estaria ligado à inteligência e explicaria a submissão da raça.
O elogio ao racismo de Morton só desabou em 1981, quando o evolucionista Stephen Jay Gould, professor da Universidade de Harvard, publicou o livro “A falsa medida do homem”, demonstrando que não havia relação entre as raças e seus níveis de inteligência. Ainda assim, mesmo sem qualquer suporte acadêmico, não faltam convictos de que brancos e negros ocupam polos opostos. E, 175 anos depois depois de “Crania americana”, entre bananas e o basquete, surge mais uma polêmica que desafia a razão: a ideia, errada, de que somos todos macacos.


http://extra.globo.com/noticias/saude-e-ciencia/estudo-de-cranios-serviu-como-base-falha-ciencia-do-racismo-12370395.html

Um comentário:

  1. Alguém acha que a raça negra é uma expiação ou prova? Eu acho isso.
    Pôxa, elas põem aplikes no cabelo, como algumas conhecidas, porquê não devem ser felizes com a natureza de seus cabelos.
    E o caso da garotinha de 4 aninhos que era triste, se achava feia por ser negra. Quando cresceu um pouco mais, ficou lindinha.
    E por quê seria tal expiação, é um mistério insondável.
    Pelo que se sabe a primeira raça da Humanidade foi a Negra.
    Aí de repente aparece a Caucasiana, completamente branca.
    Para mim, outro mistério inescrutável.
    Na Doutrina Espírita, que segue a linha Evolucionista Darwiniana e a tudo explica, ainda não encontrei uma justificativa plausível.
    Mas a mim, causa um sentimento compassivo pelo Negro, pois parece ser a origem de todo controvérsia sobre o racismo.
    Eles mesmos tentam se justificar, mas no fundo percebe-se algum inconformismo com suas características.

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