quarta-feira, 2 de julho de 2014

Cabecear uma bola de futebol causa dano cerebral?

http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/cabecear_uma_bola_de_futebol_causa_dano_cerebral_.html

Cabecear uma bola de futebol causa dano cerebral?

Neurocientista conclui que o risco é maior para jogadores jovens



Já está claro que esportes de impacto, como futebol americano e boxe, podem causar danos cerebrais de longo prazo. Agora é o futebol que está sendo cuidadosamente examinado.

À medida que aumentam as evidências de que cabecear excessivamente uma bola de futebol pode lesionar o cérebro de um jogador, atletas profissionais como Brandi Chastain, uma estrela da Copa do Mundo da FIFA de Futebol Feminino, de 1999, estão aproveitando o torneio deste ano para chamar a atenção para os possíveis riscos de saúde para jogadores jovens.


Para descobrir a ciência mais recente sobre cabeceadas de futebol e lesões cerebrais, a Scientific American conversou com Robert Cantu, professor de neurocirurgia na Boston University School of Medicine e cofundador do Instituto Sports Legacy.


[A seguir, uma versão editada da entrevista.]


Qual é a evidência científica de que cabecear uma bola de futebol pode causar danos cerebrais?


Nossas descobertas e as de outros pesquisadores mostram que cabecear uma bola de futebol pode contribuir para problemas neurodegenerativos, como encefalopatia traumática crônica.


Pesquisadores que acompanharam jogadores de futebol notaram uma estreita relação entre a frequência com que um atleta cabeceia e anormalidades cerebrais. Também existem estudos em que pesquisadores compararam jogadores de futebol e nadadores: enquanto os cérebros dos nadadores pareceram perfeitamente normais, os dos jogadores de futebol apresentaram anormalidades nos tratos fibrosos de suas substâncias brancas.


Células nervosas transmitem suas mensagens a outras células nervosas por meio de seus tratos fibrosos, ou axônios, e se o cérebro é sacudido com violência suficiente, uma pessoa pode sofrer um rompimento de seus feixes de fibras. 


Quais são os efeitos dessas anormalidades cerebrais?


O abalo excessivo do cérebro — um excesso de traumas subconcussivos e concussivos — pode resultar em sintomas cognitivos, inclusive problemas de memória, de comportamento e de humor, como ansiedade e depressão. Outros sintomas incluem distúrbios de sono, tonturas e dores de cabeça.


Pesquisadores constatam esse dano cerebral mais tarde na vida, quando alguém parou de jogar futebol?


Ainda não acompanhamos essas anomalias durante muitos anos. Esses estudos estão em andamento. Essas anormalidades desaparecem com o tempo ou não? Ainda não sabemos a resposta. Provavelmente é um pouco dos dois.


Existe um limite de força abaixo da qual uma pessoa pode cabecear seguramente uma bola?


A ciência ainda não chegou lá. Nem sequer temos um limite para prever as acelerações lineares e rotacionais necessárias para causar uma concussão.


As forças lineares são medidas em gravidade, e medimos impactos de até 150 g em vários esportes, sem que as pessoas tivessem concussões; mas também tivemos outras, com impactos bem baixos, de apenas 50 g a 60 g, que tiveram concussões.


Quanto aos outros tipos de forças, as rotacionais ou de torção, que são medidas em radianos por segundo ao quadrado, também não sabemos quanto é necessário para produzir concussões.


Além disso, não temos um bom controle do limiar necessário para produzir traumas subconcussivos, que são golpes na cabeça que não produzem sintomas, mas apresentam mudanças estruturais observáveis em neuroimageamento.


Por que está demorando tanto para pesquisadores entenderem os efeitos de impactos concussivos e subconcussivos no cérebro?


Essa é uma questão muito complexa. Você tem forças biomecânicas mensuráveis, como a aceleração linear e rotacional. Mas estamos lidando com um humano, não com um objeto inerte em um laboratório.


Existem muitos fatores biológicos que influenciam se uma pessoa tem uma concussão: quantas ela já teve antes, qual foi a gravidade delas e com que proximidade elas ocorreram.


Outros fatores incluem: idade — é mais fácil sofrer uma concussão quando se é mais jovem que na idade adulta, e a recuperação é mais lenta; força muscular do pescoço — se você vê o golpe se aproximando e tem um pescoço forte, você reduz significativamente sua chance de uma concussão; status de hidratação — se você está desidratado, está mais propenso a ter uma concussão; e gênero — mulheres sofrem concussões mais facilmente que homens.


Qual é seu conselho para pais de jovens jogadores de futebol? O senhor recomenda uma idade limite para cabecear uma bola?


Recomendamos que jovens com menos de 14 anos não cabeceiem a bola no futebol, não joguem “tackle football” (o termo “tackle” descreve o ato de parar o adversário fisicamente ou lutar com ele no chão pela posse da bola) e não usem técnicas defensivas de corpo inteiro em hóquei no gelo.


Golpes ou impactos na cabeça são mais prejudiciais abaixo dessa idade devido a várias razões estruturais e metabólicas. Os cérebros de crianças e adolescentes não são tão mielinizados como cérebros adultos. A mielina é o revestimento das fibras neuronais, mais ou menos como o revestimento de um fio de telefone. Ela ajuda na transmissão de sinais e também confere uma força muito maior aos neurônios; portanto, cérebros jovens são mais vulneráveis.


Além disso, crianças também têm cabeças desproporcionalmente grandes. Aos 5 anos, elas já têm cerca de 90% de sua circunferência adulta, mas o desenvolvimento do pescoço ainda não chegou nem perto disso. Crianças têm cabeças grandes sobre pescoços muito fracos e esse efeito de “boneca bobblehead” [que tem a cabeça mole, montada sobre molas] significa que não é preciso impactar a cabeça com tanta força para causar danos.


As cabeceadas deveriam ser banidas por completo do futebol?


Elas não deveriam ser proibidas porque, nesse momento, não temos evidências suficientes para entender exatamente quais são os riscos. A meta dessa pesquisa não é reduzir a participação no futebol. O objetivo é fazer com que mais pessoas pratiquem esse esporte, mas que façam isso de um modo mais seguro nas faixas etárias dos mais jovens. Isso não quer dizer que crianças e adolescentes não possam aprender essas habilidades. Mas, em vez de cabecear uma bola de futebol, eles deveriam praticar com uma bola inflável de praia. 


Sciam 26 de junho de 2014


sciambr2jul2014

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