Ebola em xeque?
Pesquisadores do Canadá conseguem eficácia de 100% no tratamento de macacos infectados com o vírus ebola. A droga já foi testada em humanos e, no momento, é o que existe de mais promissor para o controle dessa doença fatal ainda sem cura.
Por: Henrique Kugler
Publicado em 29/08/2014 | Atualizado em 29/08/2014
Mais de 3 mil pessoas na África ocidental já foram afetadas pelo vírus ebola desde o início do surto atual e esse número pode chegar a 20 mil nos próximos nove meses, segundo a Organização Mundial da Saúde. (imagem: Thomas W. Geisbert/ Nature)
Eis que vem à tona uma notícia de alto impacto na comunidade científica: pesquisadores conseguiram eficácia de 100% no tratamento de macacos rhesus contaminados com o vírus ebola. A nova droga foi testada em animais que estavam em estágios avançados da doença. Todos eles foram curados.
O estudo, publicado hoje na edição on-line da Nature, foi liderado pelos pesquisadores Xiangguo Qiu e Gary Kobinger nos laboratórios da Agência de Saúde Pública do Canadá, em Winnipeg. E o truque foi o uso de um coquetel de anticorpos chamado ZMapp. Esses anticorpos agem sobre uma proteína que fica na superfície do vírus – e é a principal responsável pelo início do processo de infecção das células.
Aos testes: os pesquisadores inocularam doses letais de ebola em 18 macacos, divididos igualmente em três grupos. No primeiro grupo, os anticorpos ZMapp foram administrados 3, 6 e 9 dias após a infecção dos bichos. No segundo grupo, a mesma dose foi administrada 4, 7 e 10 dias depois da infecção. Quanto ao terceiro grupo, a combinação de anticorpos foi administrada 5, 8 e 11 dias depois. Surpreendentemente, todos os animais sobreviveram. E mais: 21 dias depois de infectados, já não apresentavam qualquer traço do vírus – nem dos sintomas – em seus organismos. Contrariamente, todos os macacos do grupo-controle morreram.
“Nos últimos anos, já havíamos testado diferentes combinações de anticorpos em roedores; e tivemos alguns resultados satisfatórios”, diz Kobinger. “Nos novos testes em macacos, também esperávamos bons resultados; mas o nível de sucesso foi além de minhas expectativas.”
Em se tratando de ebola, esse é até agora o tratamento mais eficaz já experimentado. Ainda não existem terapias ou vacinas licenciadas para combater ou prevenir a doença.
A variante do vírus usada nessa pesquisa não é a mesma que está provocando o surto atual de ebola
É preciso considerar, no entanto, que a variante do vírus usada nessa pesquisa não é a mesma que está provocando o surto de ebola deflagrado nos últimos cinco meses na África ocidental – pois essa nova variedade ainda não estava disponível para estudo quando se iniciou o trabalho em questão. Ainda assim, segundo os autores, testes preliminares já demonstraram que a terapia experimental com o ZMapp é capaz de inibir também a replicação dessa nova variante do ebola em culturas celulares.
Nesta semana, pesquisadores norte-americanos publicaram na edição on-line daScience o sequenciamento genético de vírus extraídos de 78 pacientes de Serra Leoa infectados no surto da doença em curso na África. Os dados podem ajudar na compreensão de como o vírus está mudando durante o surto, na melhora do diagnóstico e no desenvolvimento de medicamentos e vacinas.
Seres humanos à prova
O ZMapp foi testado em alguns humanos vitimados no atual surto de ebola. Apesar de dúbios, os resultados ainda devem dar o que falar. Nos Estados Unidos, dois profissionais do sistema de saúde que haviam sido infectados conseguiram se recuperar após o uso dessa combinação de anticorpos.
Mas paira no ar uma dúvida: não se sabe se tal êxito foi decorrência do novo tratamento experimental; ou se foi apenas uma coincidência, dado que cerca de 45% das vítimas do surto atual recuperam-se sem tratamento algum. O fato é que outros dois pacientes, igualmente tratados com o ZMapp, não tiveram a mesma sorte: eles morreram. Teria o coquetel sido ineficaz? Ou, nesses casos, o insucesso foi decorrente da administração tardia da droga às duas vítimas, cujo organismo o vírus ebola já havia sentenciado em definitivo?
Em tempo: Kobinger ressalta que a eficácia em macacos não é prova de que a formulação seja eficaz também em humanos.
Detalhe
Há um problema. O fornecimento de ZMapp não é tão simples: meses serão necessários para se produzirem novas amostras. “Na verdade, a produção atual pode nos fornecer algo entre 20 e 40 doses por mês apenas”, diz Kobinger. A formulação é desenvolvida pela empresa Mapp Biopharmaceutical, em San Diego, nos Estados Unidos, a partir de plantas de tabaco geneticamente modificadas. Segundo o pesquisador, autoridades norte-americanas estudam a possibilidade de engajar outras companhias na produção desse coquetel.
O fornecimento de ZMapp não é tão simples: meses serão necessários para se produzirem novas amostras
Para o virologista Davis Ferreira, do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estamos a caminhar sobre uma linha tênue: de um lado, temos a urgência – com uma epidemia descontrolada vitimando milhares; de outro, temos a segurança – o que acontecerá quando um número maior de pacientes for tratado com uma nova droga que ainda se encontra em fase experimental?
“Decisões desse tipo são muito difíceis”, pondera Ferreira. “A epidemia já dura cinco meses e ainda não existe previsão de controle.”
Ele admite que, até o momento, esse coquetel é o que temos de mais promissor. “Dificilmente, porém, ele será utilizado em larga escala nesta epidemia em curso”, comenta o pesquisador da UFRJ. “Além das questões éticas, temos os tópicos de investimento, produção, controle de qualidade, entre outros processos, que precisam ser tratados de forma que se assegure o melhor para a população.”
Seja como for, esse estudo conduzido no Canadá renova esperanças para o tratamento de uma doença que, historicamente negligenciada pela indústria farmacêutica, ganha agora o centro das atenções dos órgãos de saúde pública ao redor do mundo.
Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line
Henrique Kugler
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