terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Medo pode ser apagado do cérebro?

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Medo pode ser apagado do cérebro?

Tratamento de ansiedade e transtorno pós-traumático com hormônios e terapia gênica é promissor



                                                                                              Amber Rieder, Jenna Traynor, & Geoffrey B Hall via Wikimedia Commons


Por Bret Stetka

Quando a psicóloga Monika Eckstein da Universidade de Bonn, na Alemanha, projetou seu mais recente estudo publicado, o objetivo era simples: injetar um hormônio nos narizes de 62 homens na esperança de que seus medos desaparecessem.

Na maioria dos casos foi o que aconteceu.

O hormônio em questão era a oxitocina, muitas vezes chamado nosso “hormônio do amor” devido ao seu papel crucial no vínculo afetivo entre mãe e filho, em relações sociais [laços de amizade] e na intimidade (seus níveis disparam durante o sexo).

Ele também parece ter um significativo efeito ansiolítico.

Pessoas com certos transtornos de ansiedade tratadas com oxitocina apresentam uma redução de atividade das amígdalas — dois pequenos “caroços” em forma de amêndoas, situados no fundo dos dois hemisférios cerebrais da região ântero-inferior do lobo temporal no chamado sistema límbico, responsável pelas emoções. [Essas amígdalas nada têm a ver com as que temos na garganta.]

As amígdalas são os principais centros do medo em cérebros humanos e de outros mamíferos. Em geral, elas entram em intensa atividade em resposta a estímulos potencialmente ameaçadores.

Quando um organismo experimenta repetidamente um estímulo que de início parece assustador, mas acaba se revelando benigno, como o estouro de um balão, a região cerebral chamada córtex pré-frontal inibe a atividade das amígdalas.

Mas em casos de repetidas apresentações de uma ameaça real, ou em pessoas com ansiedade que continuamente percebem um estímulo como ameaçador, a atividade das amígdalas não cessa e memórias de medo se formam mais facilmente.

Para estudar os efeitos da oxitocina no desenvolvimento dessas memórias, Eckstein e seus colegas primeiro submeteram participantes do estudo a um condicionamento pavloviano* de medo, em que estímulos neutros (fotografias de rostos e casas) às vezes eram combinados com a aplicação de choques elétricos. [*Ivan Pavlov (1849-1936) foi o fisiologista russo que descobriu o chamado reflexo condicionado, ou condicionamento comportamental.]

Em seguida, eles foram escolhidos randomicamente para receber uma única dose intranasal de oxitocina, ou um placebo. 

Trinta minutos depois, eles foram submetidos a exames de ressonância magnética funcional (fMRI, na sigla em inglês) enquanto recebiam, simultaneamente, terapia comportamental para extinção do medo, uma abordagem padrão em casos de transtornos de ansiedade.

Nesse tipo de tratamento, pacientes são expostos continuamente a um estímulo que gera um estado de aflição ou agonia, até não o perceberem mais como algo estressante.

Na segunda fase do experimento de Eckstein, os participantes foram novamente apresentados a imagens de rostos e casas, mas dessa vez sem choques elétricos.

Os integrantes do grupo que recebeu oxitocina apresentaram maior atividade no córtex pré-frontal, a parte do cérebro responsável por controlar medo, e menor reatividade das amígdalas quando expostos às imagens, agora benignas, que tinham sido condicionados a perceber como assustadoras.

Suas manifestações físicas de medo, no caso, transpiração, também foram mais moderadas.

Os resultados, publicados em 29 de outubro no periódico especializado Biological Psychiatry, sugerem que uma única dose de oxitocina pode efetivamente melhorar terapias comportamentais baseadas em extinção para condições de medo e ansiedade.

Seria extremamente precipitado fazer recomendações para um emprego clínico de oxitocina”, adverte Eckstein. “Mas há um grande volume de pesquisas sugerindo um potencial papel terapêutico futuro para ela em várias doenças”, acrescenta.

Um estudo menor conduzido por Dean Acheson, professor assistente de psiquiatria na University of California,em San Diego, e colegas já havia relatado que a oxitocina intranasal facilita a extinção de medo em humanos. Os resultados desse estudo, publicado em maio de 2013, foram baseados em observações e não em imagens de fMRI.

O hormônio também atenua amígdalas hiperativas em distúrbios de ansiedade social e está sendo explorado como um potencial tratamento para o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

Desativando o gene do medo

Além da oxitocina, cientistas estão estudando diversas outras abordagens promissoras para reduzir o medo, inclusive tratamentos baseados em uma melhor compreensão gênica de medo e ansiedade.

O gene que codifica um composto chamado fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF, em inglês), envolvido em crescimento e sobrevivência neuronal além de neurotransmissão, que por sua vez desempenham um papel em memórias e extinção de medo, poderia ser particularmente importante.

Uma variante específica do gene BDNF, por exemplo, está associada a camundongos retraídos. Seus portadores são animais acanhados e solitários, que preferem ficar sozinhos, perto das grades de suas gaiolas, em vez de se “enturmarem” com seus companheiros roedores.

Há relatos de que em humanos com essa mesma mutação do BDNF o medo não desaparece tão rapidamente depois de reiteradas apresentações de uma sugestão assustadora, ainda que, em última análise, ela não seja ameaçadora.

Raül Andero Galí, um pesquisador associado no Departamento de Psiquiatria e Ciências Comportamentais da Emory University, em Atlanta, na Geórgia, acredita que abordagens baseadas em BDNF são promissoras para entender e tratar ansiedade.

Só pequenas quantidades de BDNF conseguem atravessar a barreira sangue-cérebro; portanto, no momento não existe papel terapêutico para o composto em si. Mas o trabalho de Galí mostrou que outro complexo, que imita os efeitos do BDNF no cérebro, obteve bons resultados em ajudar camundongos a superar associações de medo, mais especificamente, um som combinado com um choque nas patas.

A perspectiva de uma terapia gênica de BDNF também está sendo estudada.

“O BDNF proporciona alguns dos efeitos mais poderosos que já vi para reforçar a extinção do medo”, observa Galí, mas ressalta que “ainda precisamos testar se moléculas associadas ao BDNF são seguras e eficazes em humanos”.

O pesquisador também mostrou que um medicamento que bloqueia a atividade do caminho do gene Tac2, que na opinião de cientistas também desempenha um papel na extinção do medo, reduz a consolidação e a retenção (armazenamento) de memórias traumáticasem camundongos. Issosugere um possível papel terapêutico para tratar do transtorno de estresse pós-traumático.

“O TEPT é uma doença psiquiátrica única porque normalmente sabemos quando ela começa”, explica Galí. “Potencialmente, poderíamos ministrar medicamentos logo após o trauma para evitá-la”.

Não é tudo “eternamente cor-de-rosa”

Embora medicamentos de tarja preta contra BDNF e Tac2 provavelmente ainda sejam uma esperança distante, tratar estados de ansiedade e medo, como transtorno de ansiedade social e TEPT, com uma combinação de oxitocina e terapia comportamental de extinção de medo parece uma possibilidade muito real. 

Um tratamento desses talvez permitisse que pacientes pudessem ser completamente “desmamados” de remédios controlados ou psicoterapia.

Mas a ética de interferir em memórias poderia ser duvidosa e arriscada.

E se essas terapias forem usadas para apagar associações desagradáveis, mas não patológicas, de memória como, digamos, as que envolvem um relacionamento que não deu certo ou um profundo pesar, ou luto?

Eckstein não está muito preocupada. 

“Existe potencial para abusar desses tratamentos”, admite. “Mas isso é improvável”.

O neurocientista Joseph LeDoux escreveu que memórias emocionais — memórias alegres, excitantes, assustadoras — são indeléveis. Em vez de realmente apagarmos memórias ruins, esquecemos como acessá-las, ou aprendemos a suscitar primeiro uma lembrança mais agradável.

Eckstein salienta que, mesmo em pacientes com ansiedade que aprenderam a substituir uma associação de medo por uma emoção positiva ou neutra, ocorrem recaídas.

“O antigo medo ainda está armazenado em algum lugar no cérebro”, afirma ela. Mas tomara que, à medida que surgirem novos tratamentos, esse temor seja mais difícil de ser encontrado.

Pessoas com certos transtornos de ansiedade tratadas com oxitocina apresentam uma redução de atividade das amígdalas. Esses dois pequenos “caroços”, situados no fundo da região ântero-inferior de cada lobo temporal [a imagem destaca apenas uma amígdala], são os principais centros do medo em cérebros humanos e de outros mamíferos.

Publicada em Scientific American em 4 de dezembro de 2014.

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