domingo, 1 de junho de 2014

Comportamento individualista ou comunitário na China depende da tradição agrícola de origem

http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/rizicultura_incentiva_coletivismo_.html

Rizicultura incentiva coletivismo?

Comportamento individualista ou comunitário na China depende da tradição agrícola de origem


Hung Chung Chih/Shutterstock

Cultura de arroz: Antigas práticas agrícolas, como o trabalho coletivo nas lavouras de arroz alagado na província chinesa de Anhui, retratada aqui, ainda podem influenciar a cultura moderna de acordo com uma nova pesquisa.

© Michael Battaglia


A rizicultura ainda molda as personalidades de pessoas no sul da China, de acordo com uma nova pesquisa de um grupo de psicólogos.

A cooperação necessária para plantar, cultivar e colher o arroz plantado em campos alagados faz com que os nascidos na China meridional pensem mais em termos comunitários que os originários do norte do país, onde a principal cultura é o trigo, mais fácil de manejar.

O estudo propõe ajudar a explicar por que algumas culturas asiáticas continuam sendo mais comunitárias apesar de enriquecerem tanto quanto seus pares europeus mais individualistas.

“Rizicultores formam intercâmbios de trabalho cooperativo, e os sistemas de irrigação criam dilemas comuns que os aldeões têm que resolver; coisas como dragar os canais comuns e coordenar os períodos de alagamento”, explica o psicólogo cultural em treinamento Thomas Talhelm, que liderou o estudo e atualmente está concluindo seu PhD na University of Virginia. “Eu me propus a testar pessoas de toda a China para verificar se as diferenças culturais que eu tinha observado in loco se encaixavam nos contornos históricos da rizicultura e da triticultura no país”.

O estudo surgiu do tempo que Talhelm passou lecionando na cidade de Guangzhou, no sul. Ali ele constatou que as pessoas evitavam conflitos. “Quando eu estava em um corredor estreito do meu supermercado local e as pessoas inevitavelmente esbarravam em mim, notei que elas ficavam tensas, olhavam para o chão e seguiam adiante discretamente”, relembra.

Quando se mudou para Pequim, no norte, Talhelm teve uma experiência muito diferente, sendo inclusive elogiado por um curador de museu por sua habilidade em falar mandarim em detrimento direto de seu colega de quarto que também tentava se comunicar nesse dialeto. “Ainda acho que não falei com ele (o colega) sobre isso”, confessa Talhelm. “Parecia que as pessoas do norte eram mais bruscas, mais diretas”.

Como parte de seus estudos de psicologia nos Estados Unidos, Talhelm decidiu investigar se as diferentes necessidades agrícolas da China antiga se refletiam em diferenças culturais atuais entre o norte e o sul do país.

Para isso, ele e uma equipe de colegas asiáticos entrevistaram cerca de 1.200 estudantes universitários chineses do maior grupo étnico chinês: os han. Os estudantes da etnia han foram selecionados em seis províncias que se estendem de norte a sul: Liaoning, Pequim, Sichuan, Yunnan, Fujian e Guangdong.

Resumindo, os pesquisadores constataram que “as pessoas de províncias com uma porcentagem maior de terras dedicadas à rizicultura pensavam de modo mais holístico”, de acordo com o artigo divulgado na publicação científica Science em 9 de maio. 

Pare por um momento e faça você mesmo o teste. Sem pensar muito, associe os dois itens que se complementam nessa lista: ônibus, trem, trilhos. 

Se você escolheu ônibus e trem, porque os dois são veículos, então, de acordo com psicólogos sociais, você favorece combinações “abstratas” ou “analíticas”. Pessoas de culturas mais modernas e individualistas preferem essa escolha. Psicólogos apelidaram esse grupo WEIRD (sigla em inglês para Western, Educated, Industrialized, Rich and Democratic). [Ocidental, educado, industrializado, rico e democrático].

Se, por outro lado, você escolheu trem e trilhos porque um trem viaja sobre trilhos, então você favorece combinações “relacionais” ou “holísticas”, um estilo de pensamento que também abarca a contradição, de acordo com psicólogos.

Os universitários chineses não responderam apenas uma, mas oito pergunta desse tipo (como esse outro conjunto alternativo de três: cenoura, cachorro e coelho) juntamente com 12 perguntas aleatórias destinadas a impedir os participantes de adivinhar o que os psicólogos estavam testando especificamente.

Os resultados foram medidos e apresentaram uma pontuação percentual que refletiu respostas mais analíticas (0%) ou totalmente holísticas (100%) de acordo com o sexo, porque mulheres em geral pensam de forma mais holística que homens.

Independentemente de onde os estudantes viviam (por exemplo, um jovem de Fujian que atualmente estudava em Pequim), homens e mulheres que cresceram em áreas tradicionais de rizicultura pensavam de forma mais holística. 

Talhelm e seus colegas também verificaram a descoberta com outras tarefas.

Eles pediram, por exemplo, que alguns participantes do estudo desenhassem um diagrama de uma pessoa e seu grupo de amigos, em que cada pessoa deveria ser representada por um círculo; uma tarefa conhecida como sociograma. Pessoas procedentes de províncias de rizicultura mostraram-se mais propensas a se desenhar em uma escala menor que seus amigos (como fazem os japoneses, de acordo com uma pesquisa anterior).

Em comparação, os círculos pessoais de indivíduos originários de províncias produtoras de trigo eram aproximadamente 1,5 milímetro maiores que os de seus amigos, o que se compara aos europeus que se representam em círculos 3,5 milímetros maiores e aos americanos, cujos círculos pessoais são, em média, 6 milímetros maiores.

Outro teste mediu a lealdade de 166 jovens universitários chineses de todo o país.

Imagine um negócio que envolva uma das seguintes possibilidades: um amigo honesto, um amigo desonesto, um estranho honesto ou um estranho desonesto.

A desonestidade faz com que a transação “azede”, enquanto a honestidade leva à prosperidade. No fim, os participantes tinham que determinar uma soma para recompensar ou multar seus parceiros, usando um pouco de seu próprio dinheiro.

Os voluntários das províncias rizícolas se mostraram menos propensos a punir seus amigos por desonestidade que os participantes de províncias tritícolas. “O verdadeiro mistério desse estudo é como a rizicultura é repassada em um grupo social”, observa Talhelm, salientando que ela persiste mesmo quando a maioria das pessoas para de cultivar arroz diretamente. “São os valores? A educação dada pelos pais? A escolaridade? As instituições? Suspeito que seja é um pouco de tudo isso”.

Essa teoria da “cultura de arroz” pretende explicar as diferenças entre o grupo WEIRD e o Oriente; ou por que o Japão, a Coreia do Sul e a China meridional, entre outras partes da Ásia permanecem menos individualistas que seus pares modernos na Europa, apesar de níveis semelhantes de desenvolvimento econômico, acesso à internet ou empregos no setor da indústria privada (em oposição a um sistema comunista).

Províncias historicamente dedicadas à rizicultura parecem ter índices mais baixos de divórcios que as tradicionalmente empenhadas na triticultura, o que constitui mais evidências a favor da ideia. Além disso, os chineses han de províncias tritícolas também mantiveram uma vantagem no número de patentes para novas invenções no ano 2000, embora as estatísticas de 2010 pareçam indicar que essa diferença entre as províncias desapareceu.

Se for verdade, a cultura de arroz também deveria ser encontrada (além de ajudar a explicar diferenças) em pessoas originárias de lugares como a Indonésia ou a África Ocidental, que têm divisões similares.

Talhelm diz que também encontrou diferenças culturais semelhantes em pessoas de regiões rizícolas na Índia.

Do mesmo modo, a prevalência da triticultura talvez explique por que razão culturas europeias são tão WEIRD, observou o psicólogo Joseph Henrich, da University of British Columbia, no Canadá, em uma perspectiva sobre o estudo também publicada na edição de 9 de maio da Science. Em outras palavras, o W em WEIRD pode não significar “ocidental”, mas “trigo” (wheat, em inglês).

Não está claro, porém, se a cultura de arroz persistirá à medida que mais e mais chineses se aglomeram em cidades e perdem qualquer conexão com o cultivo de arroz (ou de trigo).

Na atual situação, o estudo de Talhelm e seus colegas mostrou que a cultura de arroz persistiu independente de as pessoas cresceram no campo ou em uma cidade grande. Em outras palavras, as antigas práticas agrícolas talvez moldem o pensamento dos descendentes modernos que vivem em uma cidade esparramada e lotada. Ou, como afirma Talhelm: “a maioria dos meus amigos chineses me disse que as descobertas combinam com suas experiências na China”.

Sciam 12 de maio de 2014

sciambr13mai2014 

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